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Apostar Na Simplicidade, Por Dom Walmor De Oliveira
O Papa Francisco tem se consolidado como voz que alerta para a urgência de se combater o crescente processo de desumanização que assola a sociedade contemporânea. Sua voz ecoa para além do território da própria Igreja Católica e vai tocando corações e mentes pelo mundo afora. Na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, o Papa Francisco sublinha que “o grande risco do mundo atual, com múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada dos prazeres superficiais, da consciência isolada”. Quando a pessoa se fecha nos seus próprios interesses, o resultado é o comprometimento da essencialidade da vida interior.Uma grande indicação do Papa Francisco, como retomada das mais genuínas raízes do Evangelho de Jesus, é apostar na simplicidade. Esse caminho supõe exercício diário e adoção de estilos de vida que proporcionem e mantenham uma interioridade com a sabedoria para priorizar o que é digno e bom. A simplicidade de vida, incontestavelmente, é o remédio mais eficaz no combate à desumanização, que embrutece corações e inviabiliza a convivência social. Trata-se de antídoto para a sociedade, marcada pela crescente violência, corrupção venenosa e irreversível despersonalização. É hora, portanto, de admitir e incluir um discernimento evangélico nas análises e na busca da compreensão da realidade, desafiadora e complexa, desse início de terceiro milênio.A busca por soluções não pode restringir-se ao crescimento e sofisticações tecnológicas, indispensáveis quando se pensa no avanço da ciência. É preciso retomar o processo de humanização, contraponto ao lamentável embrutecimento dos corações. Nessa tarefa, o ensinamento evangélico tem um poder inigualável de modulação e educação. Vale sempre lembrar a observação de Mahatma Ghandi, em referência ao Sermão da Montanha, Evangelho de Mateus, capítulos 5 a 7, sublinhando que ali há um tesouro que praticado pelos cristãos, faria deles instrumento de radical revolução e transformação da sociedade pelos princípios enraizados na força inesgotável do amor de Deus.Não se pode apenas pensar que definições legislativas e meras providências de repressão serão suficientes para deter o catastrófico processo de desumanização em curso, responsável pelo crescimento da violência, aumento assustador da dependência química, imoralidades de todo tipo como consequência da relativização nociva de valores e princípios. Brutalidade é o lado oposto da indispensável humanização. A falta de raízes humanísticas consistentes, como aquelas que os valores do Evangelho de Jesus Cristo produzem e modulam nos corações que escutam a voz de Deus, impede o estabelecimento de uma nova ordem social e política. Sem enraizamento humanístico adequado não veremos mudanças nas lideranças e continuará baixo o nível da prática política, muitas vezes dinamizada por interesses partidários tacanhos, conchavos imorais e busca pelo crescimento próprio a partir da obsoleta prática de atacar o outro para destruí-lo.Não se conseguirá jamais avançar nas reformas que a sociedade brasileira precisa sem a necessária e urgente competência humanística. É em razão da falta desta competência que instituições políticas e governamentais fazem sempre muito menos do que deveriam. Alimentam-se da ilusão de que boa política se faz com conchavos, com a desmoralização dos outros, com a manipulação ideológica ou com as negociatas internas e partidárias que atrasam o progresso e o atendimento das demandas da população. Essa desordem produz o descompasso e a baderna que vai compondo cenários preocupantes de violência, medo e caos. As mudanças estruturais e conjunturais avançarão pela força do testemunho indispensável de cada cidadão. Nesse caso, apostar na simplicidade há de ser um compromisso de todos, revendo práticas, hábitos. Não há lugar para exibicionismos, sofisticações petulantes, esbanjamentos agressivos e irracionais. É hora de compreender, redimensionar projetos, práticas pessoais e sociais, sempre apostando na simplicidade.Dom Walmor Oliveira de AzevedoArcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Se eu quiser falar com Deus
Pode ser a família mais desligada de religião, mas se ela mantém algum resquício de profissão de fé, normalmente os pais rezam com os filhos em algumas ocasiões ou os ensinam a rezar. À noite, antes de dormir, a mãe ensina o filho a juntar as mãozinhas e a agradecer a Deus por mais um dia ou, quando algum parente encontra-se enfermo, ela convida o filho a rezar por sua recuperação. Para aquele que crê rezar é uma necessidade antropológica, ou seja, faz parte de sua vida e ela não pode ser pensada sem a oração.
A oração acalma, dá esperança, anima, enche de paz. Mas por que a oração faz tudo isso? Porque ela gera comunhão com Deus. Quando a gente ora ou reza – orar e rezar são sinônimos – todo nosso ser fica predisposto à ação de Deus; nosso coração se abre para a ação divina; nossa vida é colocada nas mãos dele. Esse gesto de confiança e entrega tem efeitos salutares sobre nós. Nosso cérebro se revigora e se prepara para os turbilhões da vida. Então, rezamos, mas não só para pedir graças a Deus (a cura de um parente, por exemplo). Rezamos porque não sabemos viver sem rezar; porque a pessoa de fé tem necessidade de cultivar sua amizade com Deus, de se relacionar com ele, de lhe falar dos seus problemas, de suas conquistas etc.
A oração gera conhecimento de Deus, coloca em comunhão, faz surgir uma bela amizade com Ele |
No caminho de discipulado que a catequese quer ser, a oração tem lugar de destaque. Afinal, não dá para ser discípulo de Jesus por obrigação, mas sim por opção, porque se quer entrar em relação com ele, ser seu amigo, ficar mais próximo dele. E neste caso, a oração apresenta-se como um caminho insubstituível. Por isso, na catequese, costuma-se rezar em todo encontro. Começamos e terminamos nossos encontros rezando. Esta é uma prática do povo católico. As reuniões são sempre abertas por um momento orante. Mas como orar com as crianças, os jovens e os adolescentes de nossa catequese hoje? Será que basta ensinar o Pai-nosso e a Ave-Maria ou a Oração ao Espírito Santo? Seria suficiente decorar a Oração do anjo da guarda, o Credo ou outras orações que desde cedo aprendemos a recitar? Aí é que mora o problema.
Quando falamos em oração, normalmente, pensamos nestas preces decoradas ou em outras práticas de piedade, tais como o terço ou as novenas. Mas existe uma gama de possibilidades de oração, para além destas práticas mais regulares. A Catequese permanente quer redescobrir essas práticas, sempre presentes na vida cristã, e revalorizá-las. Mais que ensinar orações decoradas, a catequese quer ensinar a orar. Para orar é preciso criar uma atitude de abertura e acolhida. A catequese tem como função colocar o catequizando em comunhão com Deus, proporcionar seu encontro com Jesus, ou seja, proporcionar ocasião para a experiência cristã de Deus. Para isso, não basta ensinar orações. É importante deixar a oração brotar do coração, afinal orar é conversar com Deus.
A catequese vai se esmerar em ajudar os catequizandos a se expressarem espontaneamente com Deus, a lhe falar de coração aberto. |
Se orar é conversar com Deus, então precisamos pouco a pouco crescer no conhecimento de Deus, na amizade com ele. A gente normalmente conversa com os conhecidos, com os amigos, com aqueles que nos são íntimos. Não puxamos assuntos com desconhecidos, a não ser em raros casos. O diálogo fecundo se dá com aquele que amamos, com alguém em quem confiamos. Aí se dá uma coisa maravilhosa: a oração gera conhecimento de Deus, coloca em comunhão, faz surgir uma bela amizade com Ele. E, quanto mais conhecimento dele ou quanto mais nos tornamos amigos, mais vontade de orar, de estar ao seu lado lhe falando de nossa vida, nossas angústias e conquistas. Forma-se um círculo fecundo e crescente. Por isso, na catequese, não podem faltar bons momentos de oração. E, para isso, as orações decoradas não são a melhor fórmula, apesar de terem seu valor.
A catequese vai se esmerar em ajudar os catequizandos a se expressarem espontaneamente com Deus, a lhe falar de coração aberto. Então, nenhum pai ou mãe deve se preocupar se seu filho não aprender as orações da tradição católica logo nos primeiros anos de catequese. Ele vai aprender essas preces naturalmente, à medida que elas forem acontecendo nos encontros, à medida que o catequizando for mergulhado na comunidade eclesial. Mas não se preocupem os pais: apesar de não aprender as orações, os mandamentos, os sacramentos, as práticas de piedade como novenas, terços e rituais litúrgicos, ele vai aprender a confiar em Deus, ele vai sentir seu amor, ele vai experimentar a alegria de ser discípulo de Jesus, ele vai abrir seu coração para um diálogo fecundo e transformador com o Pai do Céu que o ama. Ele vai aprender a conversar com Deus. Isso é muito mais importante que qualquer outra aprendizagem. Se a catequese conseguir essa façanha, já estará de bom tamanho, já terá atingido sua finalidade.
Solange Maria do Carmo
Professora de Sagrada Escritura e Catequética na PUC Minas
A caminhada da catequese na história da Igreja
Reflexão sobre “Catequese Renovada: Orientações e conteúdos”
O documento Catequese Renovada: Orientações e conteúdos trabalha quatro temáticas muito importantes. Na primeira parte, ele ressalta a importância de introduzir a catequese e a comunidade na história da Igreja com o objetivo de fazer memória de diversos aspectos que, aos poucos, foram compondo o complexo processo da catequese.
O primeiro desses aspectos é a catequese vista como iniciação à fé e vida da comunidade, uma experiência de vida fraterna que levava os convertidos à iniciação na vida cristã. Esta foi a catequese dos cinco primeiros séculos.
Na caminhada, surge a Catequese como processo de imersão na cristandade, o que aconteceu entre os séculos V e XVI. A educação da fé se realizava pela participação numa vida social, profissional e artística, sempre marcada pelo caráter religioso.
Catequese como instrução
Um terceiro momento da história da Igreja, a partir do século XVI, surge com grandes transformações na vida comunitária. Observa-se a formação de uma nova comunidade separada da Igreja Católica, a comunidade luterana. Esta nova realidade faz exigências maiores para manter a identidade de fé. Há uma preocupação com a clareza e exatidão das formulações doutrinais, quando então passou a valorizar mais uma aprendizagem individual. Aparecem os grandes catecismos inspirados no Concílio de Trento. Surge, assim, a Catequese como instrução.
Esta forma de evangelização continua até o século XX quando se redescobre na Catequese a importância fundamental da iniciação cristã e da comunidade de fé. Passa-se a pensar na Catequese como educação permanente para a comunhão e participação na comunidade de fé. Que seja capaz de ajudar as pessoas a construírem seu itinerário de fé, inseridas no mundo de grandes transformações e com rápidas mudanças, mas vivenciando os valores do relacionamento interpessoal em meio a pequenas comunidades.
Entender toda essa caminhada da Catequese, sempre em sintonia com as várias realidades, ajuda-nos a entender a importância que devemos dar à evolução da realidade da nossa Igreja e junto com ela percorrer o itinerário da fé com conteúdos que iluminam a vida da comunidade.
Por isso, o documento vai preocupar, em sua segunda parte, em oferecer os “princípios para uma catequese renovada” que responda aos desafios dessa nova realidade. A exigência que se constata é a formação de uma comunidade cristã missionária que anuncie o Evangelho na sua autenticidade e o torne fermento de “comunhão e participação” na sociedade e de libertação integral do homem (cf. CR n. 30).
Como transmitir a mensagem do Evangelho
Fazendo uma leitura da “segunda parte” nos deparamos com uma das grandes exigências da Catequese: o anúncio autêntico da Boa Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo. Necessidade que leva a questionamento sobre como transmitir a mensagem do Evangelho. Como “fazer Ecoar” a Palavra de Deus? O que é a Palavra de Deus? O que é Revelação? Qual a “Pedagogia” de Deus? E a “Pedagogia” de Jesus? Como Jesus fazia para levar seus ouvintes à plenitude da fé? Como conservar as escrituras e a Tradição, através da vivência e do testemunho da fé? Como fazer uma leitura interpretativa da Palavra? Quais são os gêneros literários utilizados para a leitura bíblica? O que é magistério? O que é Liturgia? Vejam quantas questões são fundamentais para um “fazer catequético” bem sucedido, na realidade contemporânea.
A Catequese Renovada permanece atual, o Diretório Nacional de Catequese e vários outros documentos preocupam-se em esclarecer essas questões. Temos aqui uma boa proposta de estudos para aprofundamento, que contribuirão para realizarmos o objetivo último da Catequese que é fazer escutar e repercutir a Palavra de Deus (CR n. 31).
A terceira parte do documento trata dos temas fundamentais. Ela será objeto mais aprofundado dos nossos encontros. Já a quarta parte nos ajuda a compreender a comunidade catequizadora. Entender todo esse conjunto faz-se necessário para que tenhamos uma catequese qualificada para promover a integração da caminhada da comunidade cristã e a mensagem do Evangelho.
Neuza Silveira de Souza
Comissão Arquidiocesana de catequese de Belo Horizonte







Saúde e paz
Há 70 anos, morria o bem-aventurado Padre Eustáquio. Sua memória é especialmente celebrada neste dia 30 de agosto. À luz da fé cristã, no horizonte da ressurreição de Cristo, a morte é o dia do nascimento definitivo para a vida em Deus. Concluída a vida neste tempo da história, passa-se para a vida definitiva, cumprimento da promessa que Jesus faz ao dizer que Ele é a ressurreição e a vida e quem n’Ele crê não morrerá jamais. A experiência da morte, existencialmente sempre um grande desafio, não é estágio definitivo. A morte e ressurreição de Cristo, Salvador e Redentor, são garantias desse nascimento para a vida na plenitude do amor de Deus.
O bem-aventurado padre Eustáquio, missionário da Congregação dos Padres dos Sagrados Corações, tornou-se um grande dom de Belo Horizonte. A Capital é a cidade do Padre Eustáquio. Seu legado espiritual e sua força missionária o configuram como verdadeiro patrimônio espiritual de seus devotos, especialmente em toda Minas Gerais. A Igreja do padre Eustáquio, no bairro Padre Eustáquio, na verdade a Igreja da Paróquia dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, é o lugar dessa grande referência e desse importante patrimônio espiritual.
O legado do bem-aventurado padre Eustáquio está condensado no dito “saúde e paz”, frase de riqueza significativa e grande alcance. Por isso, o dia de hoje é especial e se expressa, particularmente, na presença de milhares de peregrinos na Igreja do padre Eustáquio, consolidando sua vocação de verdadeiro santuário da saúde e da paz. Saudar o outro, como padre Eustáquio fazia e deixou como herança, é mais forte que qualquer cumprimento convencional. Trata-se de um compromisso com esses votos que são bens fundamentais na existência de cada pessoa.
A missão do bem-aventurado padre Eustáquio, exercida nas ruas da capital mineira, de casa em casa, na ida permanente ao encontro dos pobres e dos enfermos, na Igreja conhecida de todos pela referência ao seu nome e ações solidárias, é uma herança que merece ser cada vez mais valorizada. E sua ação missionária em favor da saúde e da paz não pode ser entendida simplesmente como solução para a necessidade de algum milagre buscado, considerando a própria condição de saúde. Na verdade, inclui a certeza de que o Bem-Aventurado, na presença de Deus, intercede por todos e, especialmente, pelos que lhe devotam especial reverência.
Padre Eustáquio, missionário da saúde e da paz, condensa uma compreensão em torno dos bens mais essenciais para a vida. Com saúde, tem-se as condições para poder exercer a cidadania civil e eclesial, com as exigências próprias da fé. Por isso mesmo, a reverência respeitosa e comprometida com os enfermos, nas instituições de saúde e no seio de nossas famílias, é inegociável. A nobre reverência aos doentes, desdobrada em cuidados, atenção e presença, dos familiares, amigos e vizinhos, compromisso ético dos profissionais da saúde, é um dom espiritual e um tesouro humanístico. Inscreve-se nesse horizonte o compromisso cidadão por uma saúde pública sistematizada de modo mais eficiente. Também inclui o cuidado com a própria saúde, revendo hábitos e redefinindo dinâmicas para a vida cotidiana.
Junto com a saúde, a paz deve configurar programas de vida, pessoal, familiar e cidadão. Sua falência, desde o âmbito da relação interpessoal, até aqueles das relações institucionais e entre nações, é o mais terrível caos no horizonte da história. E o tesouro da paz só se conquista como fruto da justiça e da caridade. É um valor e um dever universal, fonte primária do ser, bem supremo e essencial. A conquista da paz e a busca por saúde exigem uma educação permanente para vivências que garantam o equilíbrio, o diálogo construtivo e participativo, além do apurado sentido de cidadania.
Assim, a herança do bem-aventurado padre Eustáquio, com a luz da fé, enriquece a educação para essas duas fundamentais dimensões da vida. E o legado desse missionário que marcou a história cresce no gesto nobre, terno e comprometedor, de saudar a cada um, assim como fazia padre Eustáquio, desejando saúde e paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Acolher e escutar
O episódio bíblico de Marta e Maria, ainda que muitas vezes interpretado como a contraposição entre ação e contemplação, nos mostra as duas virtudes necessárias para acolher a Deus: a hospitalidade e a escuta. Maria acolhe Jesus e senta aos seus pés para escutá-lo. Marta também o acolhe limpando a casa, arrumando a mesa e preparando uma comida gostosa, ainda que reclamando a falta de colaboração da irmã. São duas maneiras de aproximar-se de Jesus. Maria escuta-o e Marta pede a Ele para que a escute.Hospitalidade e acolhida são valores sagrados. Duas virtudes que em épocas passadas eram muito apreciadas como podemos ver na Bíblia ou mesmo na literatura grega e que, infelizmente, na sociedade moderna tem acontecido tão pouco.A virtude que complementa a acolhida é a escuta: abrir o coração para acolher o outro e compreendê-lo traz felicidade por nos colocar em comunhão com Deus. Muitas vezes, um pequeno conflito existencial como a culpa e mesmo algum impedimento na realização de objetivos pessoais podem gerar sentimentos de angústia e até sintomas de depressão. Por convicção de autossuficiência em assuntos emocionais, ou por falta de recursos financeiros, a pessoa deixa de procurar ajuda profissional. O sentimento tende a ir aumentando e acaba por prejudicar o indivíduo em suas atividades sociais, familiares e profissionais.Por ser um mar de aflição invisível “aos olhos”, a solidão, inevitavelmente, vai acontecer, pois mesmo as pessoas mais próximas e queridas são incapazes de adivinhar a dimensão do sofrimento no outro. E, o mais grave: o sentimento, antes, simples angústia, superdimensionada no decorrer do tempo, ao longo da vida, consome toda a energia positiva da pessoa. Torna-se causa das doenças psicossomáticas ou de estado agudo de ansiedade e depressão.
A Pastoral da Escuta se preocupa com as pessoas que se encontram em momentos deaflição. Por isso,se empenha na formação de profissionaispara essa tarefa. |
Acolher e escutar é a primeira tarefa a ser vivida no sentido de solucionar o problema. Com essas atitudes, inicia-se o processo que mais tarde culminará com o equilíbrio e o bem-estar da pessoa, antes em conflito. É o primeiro passo para a restauração de um diálogo normal, saudável, visando ou não um processo de ajuda mais sistematizado e psicoterapêutico.O serviço Pastoral de Acolhida e Escuta da Paróquia São João Evangelista proporciona um espaço e um tempo para ouvir as pessoas que o procuram naquilo que desejam compartilhar. É uma postura humana e cristã, solidária, ética e profissional. Não pretende ser uma terapia convencional, embora, frequentemente, se transforme na modalidade “breve” de atendimento psicoterapêutico. Não é orientação espiritual e não é catequese. É um trabalho gratuito, prestado por psicólogos voluntários na Paróquia. A Pastoral da Escuta da Paróquia São João Evangelista se preocupa com as pessoas que se encontram em momentos de aflição, sofrimento emocional e existencial e por isso se empenha na formação de profissionais para essa tarefa. Com a equipe já existente, tem o compromisso de encontros semanais para a supervisão dos atendimentos realizados, bem como a reciclagem de conhecimentos teológicos e técnico-profissional. As atividades incluem cursos, seminários, comentários de filmes e palestras. São eventos ora abertos ao público em geral , ora parcerias específicas.Os próximos cursos sobre atuação na Pastoral da Escuta serão realizados nos dias 6 e 20 de setembro, e nos dias 4 e 11 de outubro.
Sônia Eustáquia da Fonseca
Psicóloga Clínica
A força da palavra
E a Palavra se fez carnee habitou entre nós, Jo 1, 14
No Mês da Bíblia, gostaria de partilhar com o leitor uma nova direção que a Palavra de Deus tem me feito perceber em diálogo com outro campo que lhe diz respeito, o da antropologia. Se algo que esta área do conhecimento nos ajuda perceber é o fato de que “palavras não são só palavras...”.Elas podem criar pontes, mas também abismos; edificar, mas também destruir. Com isso percebemos, de modo prático, a constituição psíquica do ser humano, muitas vezes obscurecida pelo corpo físico, palpável e que, especialmente na atualidade, é supervalorizado. A palavra também tem o poder de sustentar tanto quanto enfraquecer o ser humano na lida diária, principalmente com as pessoas que são relevantes para a sua vida.Quando escutamos um texto bíblico, já fomos moldados e marcados como ser humano no campo da linguagem, isto é, na esteira da palavra na vida cotidiana. Por isso, ao nos dirigirmos a um texto sagrado, se cremos nele, nos sentimos tão em casa, tão estimulados a acolhê-lo e a deixá-lo fazer morada em nós.Somos humanos e desenvolvemos uma forma de comunicação entre nossos semelhantes a partir das palavras revestidas de nossas necessidades. E nelas encontramos, em dado momento, a Palavra de Deus como semente que tende a ser fecundada, como recorda-nos a parábola do semeador. Todavia, esta palavra-semente, germe de vida, depende do meio e das margens do caminho, enfim, daquilo que é a existência de cada um.
A morada do Eterno se deu a partir da bendita Palavra escutada e acolhida por Maria |
Da parte de Deus, sabemos que a sua Palavra sempre busca promover o encontro, gerar a vida, produzir frutos. No campo antropológico e psíquico, a palavra ganha forma, mostrando-se com sua força e sua fraqueza. E ai, quem sabe, fica mais fácil dialogarmos com esta palavra bíblico-cristã.A partir do criador da corrente psicológica chamada constelações familiares, de Bert Hellinger, descobre-se o valor do campo semântico da linguagem e seus signos. O referido autor mostra-nos que as palavras não encerram sentido em si próprias. São ideias, ideais, sentimentos, posturas, verdades, mentiras, pontes e abismos. Elas são poesias e inspirações para as artes. Vale aqui lembrar Rubem Alves: “Palavra e carne, sem separação, sem confusão, e, não obstante, um único corpo”. A palavra é carne quanto toma sua forma. Uma vez encarnada, será sempre um corpo que comunica algo vivo no campo do amor ou da dor.Às vezes, voando com uma ou outra palavra escutada, fico pensando, por que será que o Criador usou da Palavra para se encarnar no nosso meio? A morada do Eterno se deu a partir da bendita Palavra escutada e acolhida por Maria. A própria narrativa da criação do mundo se deu a partir da palavra proferida com o desejo do Criador: “E Deus disse, faça-se o firmamento... que existam luzeiros no firmamento... E Deus disse: façamos o homem e a mulher à nossa imagem e semelhança...E Deus os abençoou e lhes disse: sejam fecundos...” (Gn 1).
Estou convicto deque o verbo nãoapenas se fez carne, mas creio, com todasas minhas forças, queo Verbo continua se fazendo carne emcada momento. |
Nosso Deus, Deus do “faça-se”, continuou a dizer palavras tão bem ditas, que certo dia uma jovem judia as escutou com tamanha fé que “a Palavra se fez Carne”, morada definitiva entre nós. Que mistério e poder contém a palavra para tanta exclusividade merecer diante da criação e principalmente da própria encarnação do Filho de Deus? Haveria outra forma? Prefiro me calar e apenas contemplar o que é da ordem do mistério... Ver o que nasce (encarna) diante de um verdadeiro encontro com a palavra que é, ao mesmo tempo, humanamente divina e divinamente humana.Não creio que o Verbo se fez carne, estagnando-se no passado cristão. Estou convicto, creio com todas as minhas forças, que o Verbo continua se fazendo carne em cada momento. Nas relações com o outro, a palavra consegue criar pontes, horizontes, chegando a lugares jamais imaginados ou tocados pelos pés do seu emissor - digo emissor, porque palavras que se encarnam só podem ter como autor o Espírito daquele que continua criando entre nós, Deus.As palavras que ferem só podem ser compreendidas no plano da fragilidade dos terrenos, o coração humano. Assim, o Verbo de Deus atingiu a sua plenitude de inscrição histórica com a encarnação do Filho, mas continua se revelando na participação de cada um de nós. Que a Palavra encontre no coração de cada um de nós terreno fértil, generoso, e nele produza muitos frutos.
Pe. Marcelo Silva,
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem


Orando com a Bíblia
São incontáveis os trabalhos sérios, profundos, que pessoas competentes têm realizado sobre a oração, à luz da Palavra de Deus. Cada página da Bíblia é um compendio oracional, para um dialogo íntimo com Deus. Uma consciente confrontação com os desígnios do Senhor. Um choque entre os nossos projetos e os planos que a Bíblia nos oferece.
Saber que Deus vai conosco, e nós com Ele, é essencial. Com o Senhor não há ruptura da aliança. |
O homem bíblico é essencialmente orante. Alguém que acredita na presença viva do Deus da historia, que se deixa conduzir, guiar, mas ao mesmo tempo percebe a própria relutância ao pronunciar o seu sim incondicional. É partir para uma terra desconhecida, é deixar as seguranças pela insegurança. O futuro, porém, não assusta o homem orante, ele sabe que sempre o anjo do Senhor o precede no caminho. Quando chega, Deus já o está esperando a muito tempo.
Nesta certeza devemos ler a história do povo de Israel, sempre nômade, sempre caminhando, mas também sempre pronto a crer que o Senhor está com ele. "Não temas e não te apavores, porque Iahweh teu Deus está contigo por onde quer que Andes" (Js 1,9).Saber que Deus vai conosco e nós com Ele é essencial. Com o Senhor não há ruptura da aliança. Ir com Ele constitui a maior alegria da vida. Nunca Deus quebra sua aliança conosco. Nosso pecado não permite que ele se afaste de nós. É sempre o Deus da espera que confia no retorno do filho pródigo.
Quem reza se apresenta ao Senhor. Oração que nasce da vida e que volta à vida. |
São João da Cruz, no Cântico Espiritual, com uma clareza desconcertante, nos consola dizendo: "Grande consolação faz a alma entender que jamais lhe falta Deus mesmo quando se achar em pecado mortal. Quanto mais estará presente naquela que se acha em estado de graça. Que mais queres, ó alma, e que buscas fora de ti se tens dentro tuas riquezas, teus deleites, tua satisfação, tua fartura e teu reino, que é teu Amado a quem procuras e desejas? Goza-te e alegra-te em teu interior recolhimento com Ele, pois o tens tão próximo. Aí o deseja, aí o adora, e não vás buscar fora de ti, porque te distrairás e cansarás; não o acharás, nem gozarás com maior segurança, nem mais depressa, nem mais de perto do que dentro de ti. Há somente uma coisa: embora esteja dentro de ti, está escondido, mas já é grande coisa saber o lugar onde ele se esconde para buscar ali com certeza", (São João Cruz Canto1, 8). Esta é a tradução prática do texto do Apocalipse 3, 20: "Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo".Se o homem, na sua liberdade, decidir não lhe abrir a porta, Ele aí permanecerá batendo até que, vencido pelas batidas da misericórdia, decida-se a abrir-lhe. Na Bíblia, existem muitas palavras-chaves que nos fazem compreender toda beleza da oração. O dialogo com Deus se abre em vasto horizonte. O homem histórico de ontem, de hoje e de sempre possui sentimentos fundamentais que o revelam e que não mudam. O homem bíblico chora, ri, sofre, pede, tem medo, suplica como o homem da Idade Média, como o homem da tecnologia de hoje e como homem de amanhã. Quem reza se apresenta ao Senhor segundo a situação particular que o envolve e o faz sofrer. Oração que nasce da vida e que volta à vida.
Frei Patrcício Sciadini, OCD
Escritor e teólogo
fraternidade e pobreza
A solidariedade cristã é pautada pela convicção de que a fraternidade é premissa para vencer a pobreza, como lembra o Papa Francisco na sua primeira mensagem dedicada ao Dia Mundial da Paz. O Papa recorda seu predecessor, Bento XVI que, na Carta Encíclica Caritas in Veritate, apresentou a falta de fraternidade - entre pessoas e nações - como uma das principais causas da pobreza. Trata-se de uma deficiência que inviabiliza a urgente superação da miséria, que castiga considerável parcela da humanidade.
Gestores e executivos, de instituições governamentais e privadas, precisam reconhecer e viver mais o princípio da fraternidade. Sem essa vivência, correm o risco de se aprisionarem no território do que é cartorial e, assim, tornam-se incapazes de contribuir para as mudanças rápidas e urgentes do atual cenário, que faz crescer a brecha entre ricos e pobres. Bastaria que cada cidadão levasse a sério a indicação secular de São Vicente de Paulo. O Santo afirma que quando alguém vê um irmão na miséria, deveria sentir-se envergonhado. Mas, como diz o Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, a globalização da indiferença é um sério problema a ser enfrentado. Esta insensibilidade tranquiliza as consciências e entorpece cidadanias. Desse modo, incapacita pessoas para o exercício do altruísmo. A indiferença impede a superação da pobreza, que pesa sobre os ombros de tantos, e é uma vergonha social.
A falta de fraternidade que perpetua situações lastimáveis de miséria tem também como causa a pobreza relacional, nos contextos familiar e comunitário. Sem o sentido de fraternidade não se avançará adequadamente para se alcançar metas que mudem os quadros. Por isso mesmo, é tão comum ancorar-se em justificativas, contabilizando o que já se fez em detrimento das urgências e necessidades. Aí está um fruto indigesto do modo como se faz política na sociedade brasileira, dando mais importância e força ao partidário e seus “conchavos” do que à meritocracia.
A pobreza origina-se da carência de um sentido humanístico e compreensão ética adequada da dignidade de cada pessoa humana, fazendo surgir situações extremas de riqueza e desperdício de um lado e, do outro, a miséria de muitos, com o peso da fome, da enfermidade e da exclusão social. As desigualdades sociais crescentes em uma determinada região e contexto cultural precisam incomodar mais a consciência cidadã. Assim é possível avançar na busca de soluções e de respostas, em diferentes níveis e condições. Nessa perspectiva está, portanto, um horizonte lúcido para se fazer política. Isto significa um empenho mais efetivo para garantir a todas as pessoas, iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais, o acesso aos serviços, especialmente aos recursos educativos e de saúde, possibilitando a cada pessoa a construção de seu projeto de vida.
O Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, relembra um importante ensinamento da Igreja, sobre a hipoteca social. Como diz Santo Tomaz de Aquino, é lícito e até necessário que a pessoa tenha propriedade dos bens. Porém, quanto ao uso, “não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros”. Se assumido como princípio ético, este ensinamento permitirá à cidadania dar um salto de qualidade e produzirá, sem dúvida, uma grande transformação. A globalização da indiferença é responsável por desvios morais que fazem da economia o território da idolatria ao dinheiro. Daí nasce uma séria crise antropológica, ao se negar a primazia de cada pessoa, substituindo-a por outros interesses e lógicas. A perversidade se revela no crescimento que privilegia poucos e castiga muitos, fruto de uma ideologia que defende a absoluta autonomia de mercados e a especulação financeira.
O Papa Francisco, exemplar e coerente, indica um passo primeiro, determinante, com força para fazer a diferença na busca da fraternidade, antídoto para vencer a pobreza. Ele fala do desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, partilhando as suas riquezas, conseguindo, assim, experimentar a comunhão fraterna com os outros. Não será outro senão este o primeiro compromisso cristão, de quem quer autenticamente seguir Jesus Cristo. É desafiador, gera dúvidas, mas trata-se de um caminho certo para cultivar a fraternidade, eficaz na superação da pobreza. O ponto de partida dessa revolução é a convicção firme de que o relacionamento fraterno com o próximo é o bem mais precioso.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte